Brasil é condenado por Corte Interamericana em caso de morte de ativista

Vista do Palácio do Planalto, em Brasília
Jamil Chade
Colunista do UOL

04/10/2022 20h08

O estado brasileiro foi condenado nesta terça-feira pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e considerado como responsável pela violação dos direitos à verdade, à proteção e integridade da família de um defensor de direitos humanos. O processo marca uma resposta a 40 anos de impunidade.

Segundo a sentença, o que se registrou foi uma “grave falência” do Estado nas investigações sobre a morte violenta de Gabriel Sales Pimenta, “e pela situação de absoluta impunidade em que se encontra o homicídio na atualidade”.

A Corte em San José concluiu que o Brasil “não cumpriu sua obrigação de atuar com a devida diligência reforçada na investigação do homicídio”. Para especialistas, a sentença é histórica, ao tratar de um caso de assassinato de um ativista de direitos humanos e o papel do estado em sua proteção.

Gabriel Sales Pimenta era um jovem de 27 anos no momento de sua morte. Em 1980, ele passou a atuar como advogado do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Marabá (“STR”) e foi representante da Comissão Pastoral da Terra. Como advogado, ele atuou na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais.

“Em 18 de julho de 1982, como consequência de seu trabalho como defensor de direitos humanos, Gabriel Sales Pimenta recebeu três disparos de arma de fogo quando saía de um bar com amigos na cidade de Marabá, no sul do Pará, e morreu instantaneamente”, apontou a Corte.

Três homens foram identificados como os supostos autores do homicídio. “Em agosto de 1983, o Ministério Público ofereceu a denúncia penal contra as pessoas anteriormente indicadas como autores do delito de homicídio qualificado. Em novembro de 1999, o Ministério Público solicitou a extinção da responsabilidade penal de um dos acusados, em virtude de sua morte, a qual foi decretada pelo juiz em exercício, em agosto de 2000, juntamente com a improcedência da denúncia contra outro suspeito, por falta de provas”.

Com um único réu, um julgamento foi marcado para 2002. Mas ele jamais ocorreu, já que o suspeito não havia sido localizado.

Foi só em 2006 que a Polícia Federal conseguiu cumprir a ordem de prisão preventiva. Mas, em 10 de abril de 2006, os advogados do acusado impetraram um habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Pará, com o intuito de solicitar que se decretasse a prisão domiciliária ou a extinção da responsabilidade penal com base na prescrição. O Ministério Público também se manifestou a favor de que fosse decretada a prescrição, o que foi atendido pelas Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Pará.

Novo processo

Mas a família da vítima não cedeu. Em 2007, Rafael Sales Pimenta, irmão de Gabriel Sales Pimenta, apresentou uma reclamação por excesso de prazo no processo penal, perante o Conselho Nacional de Justiça, alegando a morosidade em sua tramitação. Mas sua reclamação foi arquivada.

Uma outra tentativa foi feita no Estado do Pará por danos morais resultantes da demora na tramitação do processo penal e a conseguinte impunidade do homicídio. Mas o recurso foi negado.

Para a Corte Interamericana, portanto, os estados têm um dever reforçado de devida diligência quanto à investigação do ocorrido.

“A Corte Interamericana, ao analisar os fatos do caso, estabeleceu que há falências graves que refletem uma absoluta falta de devida diligência do Brasil em processar e sancionar os responsáveis pelo homicídio de Gabriel Sales Pimenta e esclarecer as circunstâncias deste, apesar da identificação de três suspeitos e da existência de duas testemunhas oculares e de outros meios de prova que se encontravam à disposição das autoridades estatais desde o início”, disse.

Além disso, a Corte concluiu que o caso está inserido em um contexto de “impunidade estrutural relacionado a ameaças, homicídios e outras violações de direitos humanos contra os trabalhadores rurais e seus defensores no Estado do Pará”.

Segundo a sentença, a negligência dos operadores judiciais na tramitação do processo penal, que permitiu a ocorrência da prescrição, foi o “fator determinante para que o caso permanecesse em uma situação de absoluta impunidade”.

Condenação e medidas

Diante dessas conclusões, a Corte ordenou diversas medidas de reparação:

(i) criar um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam superá-las;

(ii) (publicar o resumo oficial da Sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a Sentença, na íntegra, no sítio web do Governo Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado do Pará;

(iii) realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação com os fatos do presente caso;

(iv) criar um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, entre eles o de Gabriel Sales Pimenta;

(v) criar e implementar um protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos;

(vi) revisar e adequar seus mecanismos existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado através de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos; e

(vii) pagar as quantias fixadas na Sentença a título de dano material, imaterial, custas e gastos.

Mensagem de apoio à democracia

Segundo a sentença, porém, a mensagem da decisão e do caso vai muito além da família da vítima. Na decisão, a Corte destacou que o trabalho das defensoras e defensores de direitos humanos é “fundamental para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito”.

O documento ainda fala na necessidade de erradicar a impunidade relacionada a atos de violência cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos, “pois resulta um elemento fundamental para garantir que possam realizar livremente o seu trabalho em um ambiente seguro”.

Na avaliação da Corte, a violência contra ativistas tem um “efeito amedrontador, especialmente quando os crimes permanecem impunes”.

A esse respeito, a sentença reiterou que as ameaças e os atentados à integridade e à vida dos defensores de direitos humanos e a impunidade dos responsáveis por estes fatos são “particularmente graves porque têm um efeito não apenas individual, mas também coletivo, na medida em que a sociedade se vê impedida de conhecer a verdade sobre a situação de respeito ou de violação dos direitos das pessoas sob a jurisdição de um determinado Estado”.

Decisão “histórica”

Helena Rocha, codiretora do programa para o Brasil e Cone Sul do CEJIL, organização que levou o caso à Corte, afirmou que “a sentença confirma o que vários órgãos internacionais têm afirmando sobre o grave cenário de violência sistemática contra pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil e atribui ao Estado uma responsabilidade agravada de protegê-las e de investigar qualquer ato ou ameaça que venha a ser sofrido por elas”. “Para isso é fundamental desenvolver instrumentos de enfrentamento à impunidade estrutural de esses casos e promover políticas públicas efetivas para sua proteção”, disse.

José Batista, advogado da CPT em Marabá, considerou que a sentença tem um “peso histórico e um valor simbólico muito grande para os camponeses e sus lideranças, que fazem a luta pelo acesso e premência na terra no Brasil”.

Para eles, após mais de 40 anos de impunidade, a justiça por Gabriel Pimenta começou a ser feita. “Contudo, ainda há muito caminho a percorrer, pois a proteção a pessoas defensoras de direitos humanos só pode ser efetivada com o fortalecimento de políticas públicas adequadas como as que foram ordenadas pela Corte no caso concreto. A luta de Gabriel Pimenta é constante e de todas e todos nós”, afirmam.

O irmão do Gabriel, Rafael Pimenta, concluiu que a condenação “foi um marco muito importante na luta pela defesa dos defensores de direitos humanos”. “Gabriel era um advogado de direitos humanos, um advogado dos trabalhadores sem terra e da população desassistida pelo Estado brasileiro. É uma vitória do Gabriel, é uma vitória dos direitos humanos e é uma vitória do povo brasileiro”, completou.

Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/10/04/brasil-e-condenado-por-corte-interamericana-em-caso-de-morte-de-ativista.htm

Russian spy caught trying to infiltrate war crimes court, says Netherlands

Sergey Vladimirovich Cherkasov spent years building up fake ID and wanted to take up internship at ICC, says Dutch intelligence

The international criminal court in The Hague, Netherlands. Photograph: Piroschka van de Wouw/Reuters

A Russian spy tried and failed to secure an internship at the international criminal court (ICC) using the false identity of a Brazilian citizen that he had built up over more than a decade, according to Dutch intelligence.

Sergey Vladimirovich Cherkasov, 36, accused of being an agent of Russia’s GRU military intelligence, flew to the Netherlands in April believing he had succeeded in an extraordinary attempt to gain inside access to the war crimes court, using the false identity of Viktor Muller Ferreira, 33.

However, Cherkasov had already been found out by western intelligence officers. When he arrived to take up his position, he was detained by Dutch immigration officials and sent back to Brazil, marking failure after years of preparation.

At the time, the ICC had begun to investigate alleged Russian war crimes in Ukraine. Had Cherkasov succeeded he would have obtained access to the court’s email systems and might have been able to copy, tamper with or destroy documents or evidence submitted.

The spy had developed an elaborately constructed false identity over many years, marking him out as one of Russia’s prized programme of “illegals” – a spying programme that dates back to the cold war and has been revived extensively under Vladimir Putin.

Western sources fear the Ukraine crisis has prompted the GRU and other Russian agencies to take a more aggressive and potentially reckless attitude to their espionage operations, as Moscow has been dramatically isolated by the west since the invasion of Ukraine.

Erik Akerboom, the director general of the Dutch intelligence agency, said: “It clearly shows us what the Russians are up to, trying to gain illegal access to information within the ICC. We classify this as a high-level threat.”

The Dutch said that Cherkasov now faced court proceedings from the Brazilian authorities, although there was no immediate comment from Brazil on the case.

Illegals are Russian agents who are given false credentials from another country and tasked with building up a fake identity over many years, keeping it secret from partners and children, with a view to eventually reaching a position of influence.

Dutch intelligence published what it said was Cherkasov’s cover story, a short document originally written in a somewhat ungrammatical Portuguese, that it believed dated back to 2010.

The document, also translated into English, is a short summary, probably written by the spy himself, of his early life, known in the espionage community as a “legend” – and was probably intended to be memorised.

It suggests that Cherkasov arrived in August 2010 to look for his estranged father in Rio de Janeiro, who may have been taken in by the long-term deception.

“My farther [sic] came across as a very friendly and open person but to my surprise I blamed him for the deaths of my mother and aunt and all the difficulties and humiliations I had to suffer in my life,” the document says.

It concedes that the would-be spy “had forgotten Portuguese”, but after the meeting with the father, Cherkasov, alias Ferreria, decides to remain in Brazil “to learn the language and restore my citizenship”. According to the document, Cherkasov then moved to the Brazilian capital, Brasília, when he would have been 25.

But there are some details which suggest the spy was not obviously Brazilian. At school, the false backstory claims, “my fellow pupils used to joke about my looks and accent”. The document continues: “Even though I looked like a German, they called me ‘gringo’. That is why I did not have many friends.”

It also notes that Ferreira hates fish, “contrary to most other Brazilian people who enjoy all the sea has to offer”, because he disliked the “stench of fish” from a port near a home where he supposedly grew up.

There is other baffling incidental detail, claiming that he had a “real and honest crush” on his school geography teacher; that a garage where he worked had a poster of “a young Verónica Castro … replaced by one of Pamela Anderson”, and that he regularly visited “the only nightclub that plays trance music” in the capital, accompanied by its address.

The ICC thanked the Dutch for exposing the spy but gave few other details of the incident.

“The International Criminal Court was briefed by the Dutch authorities and is very thankful to The Netherlands for this important operation and more generally for exposing security threats,” spokeswoman Sonia Robla said in a statement to AFP.

There was no immediate reaction from Russia.

The Dutch have a history of exposing Russian intelligence operations on their soil, and particularly in The Hague where dozens of international courts and organisations are based.

Fonte: https://www.theguardian.com/law/2022/jun/16/russian-spy-caught-trying-to-infiltrate-war-crimes-court-says-netherlands

DG calls on Brazil’s support in preventing food crisis, seeks leadership towards MC12

Director-General Ngozi Okonjo-Iweala concluded a two-day trip to Brazil on 18-19 April, her first to Latin America as head of the WTO, meeting government officials, parliamentarians and businesspeople. She thanked Brazil for its constructive role in the WTO, highlighted the country’s potential role in alleviating risks of a food security crisis linked to the conflict in Ukraine and acknowledged the government’s concerns about the difficulties in securing fertilizers. She also sought Brazil’s continued and strong support for multilateralism and a fruitful 12th Ministerial Conference (MC12).

DG calls on Brazil’s support in preventing food crisis, seeks leadership towards MC12

Meetings with government officials and agriculture sector

DG Okonjo-Iweala met President Jair Bolsonaro, Foreign Minister Carlos França and other senior government officials in Brasilia on 18 April. She also held meetings with parliamentarians and agribusiness sector representatives and delivered a lecture at the Rio Branco Institute, Brazil’s diplomatic academy.

The Director-General thanked President Bolsonaro for Brazil’s commitment to the WTO and its pragmatic and forward-looking positions in negotiations towards new agreements and in the day-to-day work of the Organization’s bodies. She urged Brazil to play an active role in adding to global food supplies to mitigate a global food security crisis brought about by the reduced availability of agricultural exports from Russia and Ukraine, a call which was well received by the President. She acknowledged President Bolsonaro’s concerns about the conflict’s impact on trade in fertilizers, a key input for increasing yields that would allow Brazil to expand food exports to help combat food insecurity.

“We need those of our members who are agricultural powerhouses to step up and put more food in the international market. The President and the Minister have asked us to raise this fertilizer issue to see what can be done,” she told reporters after her engagements in Brasilia. The Director-General also asked President Bolsonaro for Brazil’s continued leadership in support of a fruitful 12th Ministerial Conference, to be held in Geneva during the week of 13 June.

Earlier in the day, meeting with Foreign Minister Carlos França and other senior officials at Itamaraty, the Brazilian Foreign Ministry, the Director-General discussed the negotiating agenda for MC12. She encouraged Brazil to actively engage in discussions towards WTO reform, including a fully functioning dispute settlement system — of which Brazil has been a frequent and successful user.

DG Okonjo-Iweala welcomed the fact that Brazil participates in several initiatives by groups of WTO members seeking advances in topics ranging from e-commerce rules to investment facilitation and improving the participation of small businesses in international trade. She also praised Brazil for being one of 67 signatories to a deal on services domestic regulation.  In addition, she welcomed the country’s active engagement in discussions relating to the environment. Mr França and DG Okonjo-Iweala also talked about Brazil’s drive to join the Government Procurement Agreement, which opens up public sector markets in participating economies.

The Director-General met with members of the Agricultural Parliamentary Front along with representatives of several agribusiness associations. Members of Congress and business representatives called for concrete results in agriculture negotiations at MC12 and shared their concerns about protectionism in food markets and the risks of lack of fertilizers connected with the crisis in Ukraine.

Interactions with business groups

In São Paulo, on 19 April, DG Okonjo-Iweala spoke with a group of businesspeople in sectors ranging from the aircraft industry to pharmaceuticals in a dialogue organized by the Brazilian National Confederation of Industry (CNI) and São Paulo’s Federation of Industries (FIESP). She suggested Brazil may benefit from further integration in global supply chains and that higher productivity growth is vital for Brazilian businesses to “punch at their full weight” in the world.

Business leaders expressed their strong support for the multilateral trading system and its fundamental role in promoting the prosperity of all countries. They listed some priorities for WTO action, including a fully functioning dispute settlement system, agricultural trade reform and more transparency and strengthened rules on industrial subsidies. The Director-General said she was heartened by the support expressed by the Brazilian private sector for the WTO.

DG Okonjo-Iweala also met a group of female small business owners, who shared their experiences about starting and expanding their businesses. Access to start-up capital, credit, new markets and innovation as well as the need for digital solutions were some issues raised as impediments to growth. The Director-General talked about discussions at the WTO to make trade work better for the inclusion of women and micro, small and medium-sized enterprises. She also highlighted joint work with agencies such as the International Trade Centre, the Enhanced Integrated Framework and the Standards and Trade Development Facility to help women entrepreneurs tap into business networks, access market information and meet global standards.

Fonte: https://www.wto.org/english/news_e/news22_e/dgno_19apr22_e.htm

UNESCO apoia organização da sociedade civil no combate aos incêndios no Cerrado brasileiro

A UNESCO está apoiando uma série de medidas para combater as queimadas no Cerrado, bioma que integra o Patrimônio Mundial da Humanidade. Uma delas é uma doação feita por meio do Rapid Response Facility para o Instituto Associação Rede Contra Fogo. Os recursos irão fortalecer as equipes no local, provendo equipamentos essenciais. No entanto, não serão usados apenas para proteger propriedades ecológicas sensíveis, mas para prevenir perdas sociais causadas por danos à infraestrutura, residências e a economia local. 

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Cerrado tem uma das maiores taxas de desmatamento do país e está ameaçado por incêndios cíclicos que podem resultar na extinção de espécies devido ao alto grau de endemismo na região. Este ano, os incêndios começaram no dia 12 de setembro e se espalharam rapidamente devido às condições de altas temperaturas, baixa umidade relativa e ventos fortes.

O Cerrado muitas vezes é considerado um ecossistema de menor importância quando comparado a florestas úmidas brasileiras como a Mata Atlântica e a Amazônia, mas é abundante em biodiversidade e representa a área de maior potencial agrícola do mundo. Nele estão 60% da produção de grãos do país. A importância cultural, histórica e social desse bioma também é significativa. Lá vivem comunidades tradicionais, etnias indígenas, ribeirinhos e outros grupos populacionais.

Legenda: Este ano, os incêndios se espalharam rapidamente devido às condições de altas temperaturas, baixa umidade relativa e ventos fortes
Foto: © Fabian Jones/Unsplash

O Cerrado brasileiro é a maior região de savana da América do Sul e abriga a Reserva da Biosfera, que engloba a Chapada dos Veadeiros e Parques Nacionais das Emas, ambas Patrimônio Mundial da Humanidade. Também é a savana com maior biodiversidade do mundo, abrigando cerca de 5% da biodiversidade do planeta. Diante dos desafios enfrentados na preservação do bioma, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) passou a apoiar uma série de medidas para combater as queimadas.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Cerrado tem uma das maiores taxas de desmatamento do país e está ameaçado por incêndios cíclicos que podem resultar na extinção de espécies devido ao alto grau de endemismo na região. 

As queimadas são tradicionalmente usadas para aumentar a produtividade agrícola, mas podem rapidamente ficar fora de controle se não forem gerenciadas de maneira adequada. Este ano, os incêndios começaram no dia 12 de setembro e se espalharam rapidamente devido às condições de altas temperaturas, baixa umidade relativa e ventos fortes.

Diante do cenário, o Rapid Response Facility (RRF) forneceu US$ 39.745 para o Instituto Associação Rede Contra Fogo, uma organização da sociedade civil que exerce função central na coordenação dos esforços de combate a incêndios junto às diferentes agências e grupos envolvidos. 

Esses recursos irão fortalecer as equipes no local, provendo equipamentos essenciais. Eles incluem um veículo, bombas d’água, sopradores de combate à incêndios e equipamentos de segurança. Alimentos, combustível, equipamentos de comunicação, como drones, e o desenvolvimento de um aplicativo para aparelhos celulares serão essenciais para uma resposta eficaz ao fogo.

A doação da RRF não será usada apenas para proteger as propriedades ecológicas sensíveis que tornam este local tão especial, mas também irá prevenir perdas sociais causadas por danos à infraestrutura, residências e a economia local. A aquisição desses equipamentos para implantação rápida também aumentará a capacidade local das operações de combate a incêndio em longo prazo, o que é de vital importância em face de futuros eventos de incêndios e de extremos climáticos.

Mais sobre o cerrado – O Cerrado, muitas vezes, é considerado um ecossistema de menor importância quando comparado a florestas úmidas brasileiras como a Mata Atlântica e a Amazônia. No entanto, ele é abundante em biodiversidade. 

Trata-se da área de maior potencial agrícola do mundo. É nele que estão 60% da produção de grãos do país. A importância cultural, histórica e social desse bioma também é significativa. Lá vivem comunidades tradicionais, etnias indígenas, ribeirinhos e outros grupos populacionais. Informações como essas são exploradas em um blog do Banco Mundial.

A fauna e a flora são riquíssimas com mais de 11 mil espécies de plantas nativas, 199 espécies de mamíferos e 837 espécies de pássaros. Também é lá que nascem três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul, rendendo ao Cerrado o apelido de “caixa d’água”.

A região abriga muitos animais e plantas raros e endêmicos, incluindo o tamanduá-bandeira, tatu-canastra, lobo-guará, onça-pintada, veado-campeiro e também a ema, a maior ave da América do Sul. Além disso, a área abriga muitos pequenos mamíferos ameaçados e aves endêmicas, e pesquisadores continuam a descobrir espécies novas para a ciência.

* A RRF agradece à Fondation Franz Weber, Arcadia, Fondation Iris e ao Governo da Noruega pelo seu apoio.

Fonte: https://brasil.un.org/pt-br/161560-unesco-apoia-organizacao-da-sociedade-civil-no-combate-aos-incendios-no-cerrado-brasileiro

Brasil e Venezuela ficam com assentos no Conselho de Direitos Humanos da ONU

O Brasil foi reeleito para um segundo mandato de três anos para o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas nesta quinta-feira em Genebra, na Suíça. Apesar das críticas de ONGs brasileiras, o governo do presidente Jair Bolsonaro ficou com uma das duas vagas da América Latina no organismo.

A outra vaga ficou com a Venezuela, que foi eleita para o conselho com 105 votos e uma salva de palmas, apesar do lobby feroz dos Estados Unidos e dos grupos de defesa dos direitos humanos e da entrada tardia da Costa Rica na competição. Já o Brasil recebeu 153 votos. Os membros podem servir apenas dois mandatos consecutivos.

Na votação secreta da Assembleia Geral da ONU, com 193 membros, a Costa Rica obteve 96 votos e ficou de fora, apesar de apenas entrar na corrida este mês, quando o presidente Carlos Alvarado Quesada declarou que “o regime venezuelano não é o candidato adequado“.

As organizações não-governamentais (ONGs) do Brasil protestaram ao longo das últimas semanas contra a permanência do país, hoje governado por Bolsonaro, no Conselho de Direitos Humanos da ONU. As críticas eram voltadas às políticas contrária às minorias promovidas pelo atual governo brasileiro.

Protestos contra Venezuela

A eleição imerecida e estreita da Venezuela para o Conselho de Direitos Humanos da ONU é um tapa na cara das inúmeras vítimas do país que foram torturadas e assassinadas por forças do governo“, disse Philippe Bolopion, vice-diretor de defesa global da ONG Human Rights Watch (HRW).

Os Estados Unidos vêm tentando há meses derrubar o presidente venezuelano Nicolás Maduro, que protagonizou um colapso econômico e é acusado de corrupção, violações dos direitos humanos e fraudar uma eleição presidencial de 2018. É um dos mais de 50 países que reconheceram o líder da oposição na Venezuela Juan Guaidó como presidente do país.

É simplesmente inconcebível que violadores massivos de direitos humanos, como o antigo regime de Maduro na Venezuela, possam desempenhar um papel no [Conselho de Direitos Humanos]. Não vou apoiá-lo, nem a ONU“, declarou o embaixador dos EUA, Kelly Craft, no Twitter após a votação.

Guaidó invocou a constituição da Venezuela em janeiro para assumir uma presidência interina da nação membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Maduro chama Guaidó de fantoche dos EUA, tentando derrubá-lo em um golpe.

Teremos que medir o impacto dessa vitória nos próximos dias, mas pensamos que é histórico, pois enfrentamos uma campanha feroz“, avaliou o ministro de Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, na televisão estatal venezuelana após a votação na ONU.

Leia mais em: https://br.sputniknews.com/brasil/2019101714655882-brasil-e-venezuela-ficam-com-assentos-no-conselho-de-direitos-humanos-da-onu/

Veto da França ao Brasil na OCDE é ‘bastante grave para política externa’, diz especialista

O governo brasileiro acusou na última terça-feira (8) a França de bloquear sua entrada no comitê do clima (OCDE). A Sputnik Brasil conversou com o especialista Tanguy Baghdadi sobre os impactos desta tensão para a política brasileira.

O professor de Relações Internacionais da Universidade Veiga de Almeida, Tanguy Baghdadi, em entrevista à Sputnik Brasil, classificou o veto da França no comitê do clima na Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como “bastante grave” para a estratégia da política externa brasileira.

É importante lembrar que quando a gente fala sobre uma decisão como essa do governo francês, a gente não está falando somente sobre a questão climática, a gente está falando sobre como a questão do clima pode impactar outros objetivos muito importantes da política externa brasileira. O primeiro deles é a aprovação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia“, destacou o especialista.

De acordo com ele, o segundo ponto é o que foi considerado como uma vitória do governo Bolsonaro durante a sua visita em Washington, quando os EUA prometeram apoiar a entrada do Brasil na OCDE.

Se existe uma tendência do governo francês de bloquear e vetar a entrada do Brasil num dos órgãos da OCDE, eu fico imaginando qual não é a tentação francesa pra bloquear a entrada brasileira na própria OCDE. O Brasil comemorou muito o fato dos EUA terem apoiado, mas apenas o apoio norte-americano não garante a entrada brasileira na organização“, argumentou Baghdadi.

Troca de farpas com França ‘pode custar caro’

Ao comentar os impactos que a animosidade entre o Brasil e a França pode significar para a política externa brasileira, Tanguy Baghdadi disse que o antagonismo do governo Bolsonaro de se aproximar dos EUA pode prejudicar a inserção do país no cenário internacional. 

Faz parte do cenário externo do Brasil que comprar briga com a França não é exatamente uma boa ideia. A política externa brasileira acabou fazendo um antagonismo de ‘vou me aproximar dos EUA, e com isso me afastar da França, do Emmanuel Macrón’ […] só que a França segue sendo um país muito influente, a França segue sendo um dos dois maiores países da União Europeia em termos de importância política e econômica“, afirmou.

O professor de Relações Internacionais observou que os contatos com os países ricos não passam somente pelos EUA, portanto, a troca de farpas entre a França e o Brasil “pode sair bem caro” para a política externa brasileira.

A gente está falando está falando de temas que vão muito além da questão puramente ambiental, a questão ambiental acaba sendo muito mais um símbolo e acaba trazendo uma influência para toda estratégia brasileira de inserção internacional no governo atual“, completou o especialista.

Sputnik Brasil

Agentes externos provocaram uma “guerra híbrida” no Brasil, diz escritor

Pesquisador Andre Korybko analisa que os EUA aproveitaram problemas identitários para mobilizar brasileiros contra o PT

Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena

"Guerras Híbridas – Das Revoluções Coloridas aos Golpes" foi lançado este mês no Brasil pela editora Expressão Popular - Créditos: Reprodução / Expressão Popular
“Guerras Híbridas – Das Revoluções Coloridas aos Golpes” foi lançado este mês no Brasil pela editora Expressão Popular / Reprodução / Expressão Popular

“Há uma Guerra Híbrida muito intensa sendo travada no Brasil neste momento e afeta todas os aspectos da vida de cada cidadão. Ao longo dos últimos dois anos, agentes externos vêm tentando muito sutilmente condicionar a população para voltá-la contra o Partido dos Trabalhadores, usando instrumentos como a Operação Lava Jato, apoiada pela NSA [agência norte-americana de inteligência]”, afirma o analista político norte-americano Andre Korybko, autor de “Guerras Híbridas – Das Revoluções Coloridas aos Golpes”, recém-lançado no Brasil pela Expressão Popular.

Na entrevista abaixo, Korybko, que vive em Moscou e se dedica ao estudo das estratégias do Estados Unidos na África e Eurásia, afirma que os EUA são os principais propulsores desses movimentos, que consistem em desestabilizar governos a partir de grandes manifestações de massa. São “a fagulha que incendeia uma situação de conflito interno”, como diz a apresentação do livro. Podem se transformar em golpe ou mesmo guerras não convencionais –daí a expressão guerra híbrida.

Conselheiro do Institute for Strategic Studies and Predictions e jornalista na “Sputinik News”, ele também comentou a ascensão da candidatura de Jair Bolsonaro. Diz que os mentores externos da guerra híbrida no Brasil vinham há muito tempo mo0ldando as condições sócio-políticas do país para facilitar o surgimento de um azarão que pudesse chegar ao poder e destruir tudo o que fora construído nos governos do Partido dos Trabalhadores.

A seguir, a íntegra da entrevista.

O que são guerras híbridas?

Desde o lançamento de meu livro, em 2015, ampliei minha definição para incluir o seguinte:

“As Guerras Híbridas são conflitos identitários provocados por agentes externos, que exploram diferenças históricas, étnicas, religiosas, socioeconômicas e geográficas em países de importância geopolítica por meio da transição gradual das revoluções coloridas para a guerra não convencional, a fim de desestabilizar, controlar ou influenciar projetos de infraestrutura multipolares por meio de enfraquecimento do regime, troca do regime ou reorganização do regime.”

Em suma, isso significa que países como os EUA se aproveitam de problemas identitários em um Estado-alvo a fim de mobilizar uma, algumas ou todas as questões identitárias mais comuns para provocar grandes movimentos de protesto, que podem então ser cooptados ou dirigidos por eles para atingir seus objetivos políticos. O eventual fracasso desses movimentos pode fazer com que alguns de seus participantes recorram ao terrorismo, à insurgência, à guerrilha e a outras formas de conflito não convencional contra o Estado. Na maioria das vezes, pelo menos no Hemisfério Oriental, esses fenômenos fabricados têm o efeito de dificultar a viabilização de projetos da China de implantação da nova Rota da Seda, coagindo o Estado-alvo a compromissos políticos ou mudanças de governo ou mesmo a uma secessão –que pode eventualmente levar a uma balcanização.

Seu livro descreve as Guerras Híbridas como “caos administrado”. Como isso é construído?

O estudo detalhado da sociedade de um estado-alvo e das tendências gerais da natureza humana (auxiliado por pesquisas antropológicas, sociológicas, psicológicas e outras) permite construir um quadro de como é o funcionamento “natural” daquela sociedade. Armados com esse conhecimento, os praticantes da Guerra Híbrida podem prever com precisão quais “botões apertar” por meio de provocações para obter respostas esperadas de seus alvos, tudo com a intenção de perturbar o status quo por processos locais de desestabilização manipulados por forças externas. Podem ser conflitos étnicos, movimentos de protesto (“Revoluções Coloridas”) ou a exacerbação de rivalidades regionais. O ponto principal é produzir o maior efeito com o mínimo de esforço e, então, explorar a evolução dos acontecimentos e a incerteza crescente a fim de realizar os planos políticos.

O livro descreve os EUA como propulsores desses movimentos. Por quê?

Por causa de sua hegemonia mundial –ainda que cadente–, os EUA têm interesses globais, e suas décadas de experiência operando em todos os continentes lhe deram uma compreensão profunda da situação doméstica de praticamente todos os países. Não só é, portanto, muito mais fácil para os EUA iniciar Guerras Híbridas como eu as descrevo, mas também –e mais importante—eles têm a motivação para fazê-lo. Que é o que falta a outras grandes potências em relação a ações em países fora de suas áreas de influência regionais.

O Brasil se tornou alvo da Guerra Híbrida após a descoberta do petróleo do pré-sal?

Na minha opinião, o Brasil se tornou um alvo desde a eleição de Lula e seu movimento em direção à multipolaridade, mas a subsequente descoberta das reservas de petróleo do pré-sal definitivamente acrescentou um novo ímpeto à Guerra Híbrida dos EUA no Brasil, embora apenas porque esses recursos seriam vendidos para a China. Se Lula tivesse fechado um acordo com os EUA para fornecer acesso irrestrito ao pré-sal e também permitisse que Washington aproveitasse essa vantagem para controlar o acesso da China ao mesmo, então os EUA poderiam não ter motivação para empreender uma Guerra Híbrida no Brasil, ou poderia ser atenuada ou adiada. Porém, por causa da posição independente de Lula sobre os depósitos do pré-sal e muitas outras questões, ele e sua sucessora foram vistos como alvos “legítimos” pelos EUA porque Washington temia que eles acelerassem seu declínio hegemônico no hemisfério se não fossem detidos o mais rapidamente possível.

O fato de o Brasil ter participado ativamente dos BRICS junto com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul também é uma das razões pelas quais ele foi alvo da Guerra Híbrida?

Sim, mas principalmente por causa do sentido simbólico dessa iniciativa, porque acredito que o movimento BRICS, apesar de ser uma plataforma muito promissora, não foi capaz de atingir seu pleno potencial por causa da rivalidade interna, manipulada pelos EUA, entre a China e a Índia. Isso prejudicou sua eficácia geral, mesmo antes da primeira fase da Guerra Híbrida no Brasil ter sido bem-sucedida em derrubar a presidenta Dilma. Sua destituição do cargo e o “golpe constitucional” contra o presidente sul-africano Zuma se combinaram para reduzir o BRICS ao tripartido original do RIC, que está profundamente dividido entre a China e a Índia (apesar das afirmações oficiais em contrário), com a Rússia assumindo papel de mediadora entre os dois. Para todos os efeitos, o BRICS não existe mais, exceto como um grupo que se reúne anualmente para conversar e, para muitos, uma lembrança de sonhos desfeitos.

O livro fala muito sobre os casos da Síria e da Ucrânia e diz que esses modelos podem ser reproduzidos em outros lugares. Este modelo poderia ser reproduzido no Brasil?

Teoricamente sim, mas não acredito que isso seja o mais provável. Isso porque a dimensão anti-Rota da Seda, que foi a principal motivação daqueles conflitos, é principalmente aplicável ​​ao ambiente operacional único do Hemisfério Oriental (Afro-Eurásia), que é muito mais suscetível a conflitos identitários manipulados externamente desse tipo. Dito isso, a engenharia social, o pré-condicionamento político e as campanhas de guerra psicológica que formam a base das Revoluções Coloridas (a primeira parte das Guerras Híbridas) são definitivamente reproduzíveis em qualquer lugar do mundo, especialmente na era interconectada da mídia social atual.

O livro também trata da “Primavera Árabe”. Analistas também apontaram que o Brasil estava sendo alvo da Guerra Híbrida War desde 2013, quando um estranho movimento começou a surgir no país através da internet. Isso faz sentido?

Sim, claro. A primeira fase organizacional ativa da guerra híbrida Wars hoje começa na internet. Os articuladores dos movimentos buscam na rede informações importantes sobre seus alvos antes de se conectarem com eles, direta ou indiretamente, através de campanhas informativas direcionadas que efetivamente atraiam seus interesses ou necessidades, que são cada vez mais descobertas por meio de análises de “Big Data”, como o que a Cambridge Analytica é acusada de fazer. Movimentos sócio-políticos estão começando a aparecer online muito mais do que nas ruas, como costumavam, porque as pessoas ficam mais confortáveis ​​interagindo usando o celular quando bem entendem, em vez de terem de participar de encontros e reuniões físicas. Hoje em dia, tudo o que precisam fazer é conferir as últimas notícias compartilhadas em um grupo do Facebook ou do WhatsApp.

Na campanha eleitoral no Brasil, houve uma avalanche de notícias falsas, especialmente difundidas por grupos do WhatsApp. Estamos sendo vítimas de uma guerra híbrida?

Sim, há uma Guerra Híbrida muito intensa sendo travada no Brasil neste momento e afeta todas os aspectos da vida de cada cidadão, desde o que cada um lê nas mídias sociais (seja informação real, falsa ou manipulada) até o que ouve nas ruas. Ao longo dos últimos dois anos, agentes externos vêm tentando muito sutilmente condicionar a população para voltá-la contra o Partido dos Trabalhadores, usando instrumentos como a Operação Lava Jato, apoiada pela NSA, que tomou vida própria.

Isso forçou o Partido dos Trabalhadores a reagir e defender sua integridade, o que, por sua vez, provocou reação mais feroz daqueles que estavam tentando derrubá-lo. O Brasil está no foco da Guerra Híbrida por tanto tempo que hoje é dado como certo que toda informação que circula está, de um jeito ou de outro, conectada a essa campanha incessante.

Qual é o objetivo desta Guerra Híbrida e quem está por trás disso? Jair Bolsonaro?

Não creio que Bolsonaro tenha sido o progenitor desta Guerra Híbrida, mas sim que seus mentores norte-americanos já tinham há muito tempo um plano para moldar as condições sócio-políticas do país para que o candidato considerado “zebra” pudesse chegar ao poder e, então,  desmantelar sistematicamente tudo o que o Partido dos Trabalhadores havia construídos em seu governo.

Olhando em retrospectiva e considerando tudo o que hoje se sabe sobre a operação Lava Jato, pode-se considerar que provavelmente a inteligência americana provavelmente concluiu há bastante tempo que Bolsonaro seria o melhor candidato para isso por causa de sua história de pronunciamentos políticos que se alinham com os Interesses globais dos EUA para o país. Também foi levado em conta que ele não esteve implicado em nenhum dos escândalos anticorrupção dos últimos anos, o que os EUA teriam sabido antecipadamente por causa da participação da NSA na busca “evidências” que então catalisaram a expurgação política do país.

Com o Partido dos Trabalhadores fora do poder e com a comprovação de que muitos dos usurpadores e seus aliados foram igualmente –se não mais—corruptos, o palco estava montado para o “azarão” dos EUA entrar em cena e conquistar o imaginário de muitos que foram pré-condicionados a odiar todos os políticos do establishment (e especialmente do Partido dos Trabalhadores) depois da operação Lava Jato.

Essa população estava também cada vez mais desesperados por medidas drásticas de segurança a serem implementadas para salvá-los da onda de criminalidade ou, pelo menos, dar-lhes uma chance de lutar para se defenderem –o que aconteceria com a prometida liberalização de armas de Bolsonaro.

É minha opinião que os EUA trabalharam duro para facilitar a ascensão de Bolsonaro e o estão ajudando em cada passo do caminho. Talvez ele nem tenha percebido isso no início, mas agora, considerando a possibilidade de sua vitória no segundo turno, quase certamente as próprias forças que o apoiaram trataram de lhe dar a informação diretamente.

Qual a diferença entre o uso do WhatsApp e do Facebook no contexto das Guerras Híbridas?

O WhatsApp é mais instantâneo e impulsivo, enquanto o Facebook é mais organizacional e metódico. O primeiro é geralmente usado para enviar informações curtas e rapidamente reunir grandes multidões, enquanto o segundo é mais bem aproveitado para um planejamento organizacional mais profundo e gerenciamento de controle de multidões a longo prazo. Eles são basicamente dois lados da mesma moeda, e andam de mãos dadas quando se trata do aspecto tático de Revoluções Coloridas.

Seu livro foi lançado em 2015. O que mudou desde a primeira edição?

Desde então, expandi e expliquei mais cientificamente a definição de Guerra Híbrida para incluir seis das categorias identitárias que são os alvos mais comuns, bem como os objetivos de ajustes de regime, mudança de regime ou reorientação de regime.

As táticas de engenharia social e pré-condicionamento político das Revoluções Coloridas (a primeira metade da Guerra Híbrida) se tornaram muito mais sofisticadas após a descoberta de como a Cambridge Analytica fazia coleta e análise de dados de usuários de mídia social a fim de obter um conhecimento sobre-humana do que as pessoas nos países-alvo estão interessadas, suas necessidades e a melhor forma de manipulá-las.

Isso significa que o planejamento da Guerra Híbrida entrou em uma era completamente nova, mas apenas em países onde a maioria da população (ou pelo menos aqueles dentro de qualquer uma das seis categorias identitárias que os EUA desejam atingir) usa a mídia social, o que não é o caso em grandes partes da África que estão gradualmente se tornando campos de batalha da Guerra Híbrida contra os projetos da China de implantação da nova Rota da Seda.

Como é possível responder às Guerras Híbridas?

O Estado pode restringir ou monitorar as mídias sociais, mas a primeira medida pode provocar indignação na população e confirmar as suspeitas das pessoas que o governo está suprimindo seu “direito à liberdade de expressão” porque tem “medo” do povo, o que pode ou pode não ser realmente o caso.

Já o cidadão comum precisa desenvolver seu pensamento crítico para poder diferenciar entre notícias reais, notícias falsas e notícias manipuladas, assim como entre artigos de opinião, análises e simples reportagens jornalísticas.

Quanto aos partidos da oposição, oficiais ou não, eles precisam travar suas próprias Guerras Híbridas, seja ofensivamente ou defensivamente, embora seja sempre melhor para eles ficar do lado da verdade em vez de recorrer a mentiras. A primeira é muito mais eficaz do que a segunda e ser pego mentindo poderia diminuir a confiança do público-alvo nesses grupos. Da mesma forma, todos os lados da interminável Guerra Híbrida (que está se tornando parte da vida cotidiana) precisam expor as mentiras dos demais.

Você escreveu sobre as ações dos EUA, mas não citou ações similares da Rússia. Eles não ocorrem? As acusações contra a Rússia nessa área (especialmente em relação às eleições nos EUA) são falsas?

Meu livro é sobre o uso de um modelo particular que faz com que Revoluções Coloridas (não violentas) manipuladas por agentes externos passem a movimentos violentos de guerra não convencional. Teve como objetivo provar a existência de um método nunca antes descoberto de desestabilização do Estado pelos EUA para fins geopolíticos.

O livro é sobre a transformação de Revoluções de Cores em Guerras Não Convencionais, sobre a origem de ambas, a fase de transição e o resultado desses ciclos ​​de agitação apoiados por agentes externos. As Guerras Híbridas não são simplesmente operações de gerenciamento de percepção ou infowars, em que todos os países do mundo participam e até mesmo muitas empresas (embora estas últimas não o façam por razões políticas, mas apenas para comercializar seus produtos ou serviços, às vezes no concorrente). despesa). Eles também nem sempre são travados por agentes estatais, ou mesmo agentes não governamentais que realizam determinada atividade contratados por um Estado.

É minha opinião pessoal que as acusações contra a Rússia não são relevantes para o modelo de Guerra Híbrida elaborado em meu livro, porque nunca houve intenção séria de organizar uma Revolução Colorida ou uma Guerra Não Convencional. Além disso, todas as acusações apontam para as atividades mais conhecidas sendo conduzidas por agentes não-estatais, que podem ou não terem agido a pedido de um Estado, mas nenhuma conexão clara com o Kremlin foi confirmada.

Outro ponto importante a ter em mente é que, mesmo se a essência geral dessas acusações for verdadeira, o que duvido, representaria apenas uma forma muito básica de guerra de informação, que é comparativamente mais tosca e tem muito menor em escopo do que a operação que a União Soviética conduziu durante a  Guerra Fria, o que mais uma vez sugere que isso poderia ter sido feito por um ator não-estatal independente do Estado russo e suas agências de inteligência.

De qualquer forma, a questão é artificialmente politizada porque já foi provado que ela não teve impacto no resultado da eleição norte-americana, mas está sendo usada pelos oponentes de Trump nas burocracias militares, de inteligência e diplomáticas permanentes (“estado profundo”) e por seus cúmplices públicos (sejam “inocentes úteis” ou colaboradores) na academia, na mídia e em outras comunidades (incluindo cidadãos comuns) para “deslegitimar” sua vitória e pressioná-lo a realizar  concessões políticas, mudanças de regime ( desistir ou sofrer impeachment), ou reorientação do regime, por reforma do sistema de colégio eleitoral e outras medidas semelhantes. Pode-se dizer, portanto, que as acusações exageradas da chamada “interferência russa” estão sendo feitas como uma importante arma de guerra híbrida contra Trump como parte das ações do “estado profundo” dos EUA, o que é um caso interessante digno de estudo futuro com o uso do modelo de análise que desenvolvi.

Edição: Tutameia