Javier Vadell: Acordo energético Rússia-China: claves do novo bloco Eurásico


28 DE MAIO DE 2014

Xi Putin

Xi Putin

 

 

 

 

 

 

 

 

Ano passado (2013) fui entrevistado por dois experientes jornalistas chineses. Eles queriam saber minha opinião a respeito das relações China-América Latina e em relação ao futuro da cooperação entre a China e o Brasil. Pela metade da entrevista, os entrevistadores se distraem e viram entrevistados. Foram só 30 segundos, mas o suficiente para eu fazer uma pergunta a respeito do relacionamento China-Rússia. A resposta de ambos foi terminante: “ambos os países vivem seu melhor momento histórico de amizade e cooperação”.

O recente acordo energético entre a República Popular da China (RPC) e a Rússia pode ser lido a partir dessa conjuntura política e econômica favorável, catalisada pela crise da Crimeia, mas sem perder o foco nas transformações econômicas do capitalismo global, na lógica territorial dos Estados e no papel da geopolítica da energia nesse processo. Aqui os atores principais são os Estados nacionais que, na lógica das metamorfoses do capitalismo, interagem com outros atores empresariais como bancos, grandes companhias (muitas delas produzindo na China para o mercado global) e outras forças sociais, setores e segmentos, mais ou menos organizados em diferentes escalas territoriais.

O novo tratado assinado entre a China e a Rússia, denominado de “Gas deal of the Century”, tem as seguintes características:

  • Envolve um montante aproximado de 400 bilhões de dólares
  • É um acordo de estilo ‘chinês’. Isto é, de longo prazo, com duração de 30 anos, a começar em 2018
  • A Rússia terá que fornecer anualmente 38 bcm (bilhões de metros cúbicos) de gás para a China.
  • O preço estimado pelos site oficial russo (RT) é de 350 dólares por 1000 metros cúbicos.
  • Gazpron, a empresa estatal russa, fará uma parceria com os chineses denominada “Vladivostok LGN’ de comercialização de gás liquefeito.
  • Os investidores chineses poderão participar da privatização da companhia estatal petroleira russa Rosneft.
  • A RPC obterá da Rússia, a partir desse acordo, 20% adicionais de suas crescentes necessidades anuais de gás. E, o mais importante, a preço muito mais barato que o gás liquefeito importado pela China de Qatar e da Austrália.
  • Como consequência da associação com a RPC, a Rússia desenvolverá dois campos de exploração de gás na Sibéria, perto do lago Baikal – Kovykta e Chayanda.

Em resumidas contas, o tratado Russo-Chino amarra ainda mais a sociedade estratégica entre ambos os países em matéria de segurança energética, comércio e investimentos estratégicos. A aproximação tinha começado na década de 1990 com a assinatura, junto com outros países da Ásia Central, do acordo da Organização para a Cooperação de Xangai durante os governos Boris Yeltsin e Jiang Zemin, de Rússia e China, respectivamente. Essa aliança de segurança se tornou, em 2014, um pacto de complementariedade econômica e de sociedade estratégica. A diversificação do fornecimento energético da China e a redução da dependência da via marítima foram uma variável importante para materializar essa sociedade. Os EUA têm dificultado as reivindicações chinesas no mar da China e possuem o controle das rotas marítimas que conectam o país ao comércio global.

A crise na Ucrânia e a anexação da Crimeia por parte da Rússia provocaram o acirramento do relacionamento com a União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA), que, por sua vez, agiu como catalizador da sociedade Eurásica. A diversificação da demanda vem no momento crucial em que a complexa trama de sanções ‘soft’ que os EUA estão promovendo contra a Rússia vem sendo erodida pela dependência do gás russo por parte da Alemanha e de outros países da UE e o surgimento da RPC como um grande comprador.

Há interesses mútuos entre a Rússia e a China e o cenário é muito favorável para o fortalecimento de uma associação energética Euroasiática de longo prazo e dos entendimentos dentro do fórum BRICS, cujo maior desafio é a criação de um Banco que concorra com o FMI e o Banco Mundial. As condições estruturais também estão dadas. O papel central hoje do capitalismo chinês não pode achar momento mais adequado, após a “Crise da Ucrânia”, para diversificar suas fontes de abastecimento e baratear sua crescente dependência por gás e petróleo. Mas, isso também é funcional para as empresas que produzem na China para o mercado global, a maioria empresas de Ocidente, que vão desde a indústria de tecidos, de baixa tecnologia, a eletrônicos e alta tecnologia. O nascedouro desse novo bloco Eurásico dará um novo impulso ao capitalismo global numa nova fase de acumulação a partir do centro capitalista asiático liderado pela China.

Fontes: NYT; RT; wsws.org; Foreign Policy, Russia beyond the Headlines; rebelion.org

Javier Vadell é professor e pesquisador do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas, editor do periódico Estudos Internacionais e líder do Grupo e Pesquisa sobre as Potências Médias

Fonte: Grupo de Pesquisa sobre Potências Emergentes

mapa gas Rússia China                        Fonte: Gazpron

 

7 comentários sobre “Javier Vadell: Acordo energético Rússia-China: claves do novo bloco Eurásico

  1. Gabriel Pinheiro Guimarães 14/08/2014 / 14:34

    A República Popular Chinesa se apresenta como essencial para o atual modelo capitalista vigente, se posicionado como agente crucial na divisão internacional do trabalho, produzindo desde produtos de baixa tecnologia e valor agrado até insumos de alta tecnologia para empresas de todo o lugar do mundo. A China, considerada a grande fábrica do mundo, com mercado de consumo interno em crescimento vertiginoso de grande potencial, voraz apetite para insumos de toda natureza, pode se dar ao luxo de manter relações comerciais independente de qualquer tipo embargo devido à sua situação de protagonista no comércio internacional vez que praticamente imune à qualquer retaliação. A dependência dos Estados Unidos da América em relação à China corrobora este ponto de vista, basta constatar que a RPC é seu maior credor, possuindo aproximadamente 1.15 trilhões de dólares em papeis da dívida norte americanos. Sendo certo que esta independência lhe propiciou, com a crise na Ucrânia, boas cartas na manga, para barganhar este acordo de gás com a Rússia .

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  2. Péricles Pereira 11/11/2014 / 19:08

    Tanto a República Popular da China quanto a Federação da Rússia fazem parte do grupo de países emergentes chamado BRICS. Deste grupo fazem parte, além dos países supracitados, Brasil, Índia e África do Sul. Dentre os objetivos do grupo está o de fortalecimento das relações comerciais entre seus membros.

    A República Popular da China, aproveitando seu estrondoso e constante crescimento econômico, aliado a complicações políticas referentes a região da Crimeia (conflito que envolve diretamente a Rússia), intensificou suas ações comerciais com os russos. Além de já serem parceiros no BRICS, os dois países agora irão relacionar-se em um novo acordo energético que envolve grandes valores. Tal acordo demonstrou como a China hoje consegue ultrapassar praticamente qualquer barreira econômica ou política imposta por outras potências. Nesta relação Rússia-China, os asiáticos irão obter uma enorme vantagem, pois importarão gás a um valor muito mais baixo do que o praticado e, em troca, os russos venderão enormes quantidades deste produto.

    Tal fato demonstra e afirma que, cada vez mais, a política econômica capitalista do governo chinês vem se estabelecendo no mercado mundial, fazendo frente hoje a grandes potências como, por exemplo, os Estados Unidos da América.

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  3. Tatiana 25/11/2014 / 18:55

    A china se valendo da diversificação do fornecimento energético e da redução da dependência da via marítima usa do seu poder como uma variável importante para se materializar. Com seus produtos baratos num mercado com toda sorte de natureza cresce ainda mais fazendo com aumente a dependência de outras republicas ao seu “status” de mercado mundial. Usufruindo de enormes vantagens gera interesses mútuos na Rússia na disputa de soberania em um mercado de grande poder.

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  4. Eloá Leão 30/11/2014 / 15:57

    A República Popular Chinesa e a Federação da Rússia, apesar de estarem vivendo um momento econômico bastante favorável, ainda são consideradas potências médias e emergentes. Por isso é importante que esses países mantenham uma boa relação para que consigam manter o seu crescimento econômico em relação as grandes potências mundiais. No novo tratado assinado entre a China e a Rússia, há interesses mútuos entre os dois países, o qual traz grandes benefícios ao cenário energético de ambos. Além disso, esse tratado pode fortalecer ainda mais a relação dos países membros do grupo BRIC’s e a sua posição em comparação às grandes potências mundias, uma vez que a estabilidade e o crescimento econômico de um membro possui efeitos nos demais. Portanto, esse novo tratado assinado entre a China e a Rússia só traz benefícios aos dois países e as demais potências médias.

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  5. Aline Serpa B. Oliveira 30/11/2014 / 19:34

    O futuro energético faz com que não só a Europa, mas o mundo como um todo, se torne cada vez mais dependente da Rússia. Existem alguns políticos que se recusam a enxergar esse cenário.

    Hoje a Ucrânia é pressionada pela Rússia pois não paga pela energia que está usando. Contudo, transferindo essa realidade para o plano global, os países vão ficar sem energia, não simplesmente pela falta do pagamento, mais porque a oferta não será capaz de atender a demanda.

    A Rússia se mantém a partir da venda de matérias primas, contudo ela se vê pressionada por sanções europeias que dificultam seu comércio internacional. A cooperação com a China a ajuda a se fortalecer economicamente. Por outro lado, a Europa se alia aos EUA e mantêm sanções contra Moscou, apesar disso, se posicionam cada vez mais cautelosos em relação a Kremlin (presidente da Ucrânia).

    O acordo de entendimento que trata da criação de uma rota oeste para o transporte de gás natural russo põe fim a dez anos de difíceis negociações e constitui uma grande vitória da Rússia, que vinha sofrendo um bloqueio ocidental sem precedentes desde o final da Guerra Fria.

    A princípio os interesses de chineses e russo estão em sintonia. Pequim precisa de petróleo e gás natural para cobrir seu crescente consumo energético. Moscou busca há algum tempo reorientar seu comércio exterior para a Ásia, onde a economia é muito mais dinâmica do que na União Europeia, seu maior parceiro comercial na atualidade.

    Os acordos com a China acontecem em um período de crescimento da produção de petróleo na Rússia. O bloqueio econômico ocidental obriga a Rússia a buscar novos financiadores para os projetos necessários para estimular o seu mercado petroleiro. No entanto, “o que Moscou considera uma associação estratégica, é, para Pequim, apenas uma forma de diversificar seus fornecedores”, de acordo com o jornal russo Vedomosti, que alerta para o “sinocentrismo” asiático da Rússia.

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  6. Matheus Augusto de Jesus Starling 01/12/2014 / 20:17

    A Russia pós Guerra Fria é uma potência emergente, sua economia ainda está em expansão porém a influencia exercida por ela no mundo continua de prestigio visto que o poderio militar da mesma é de altíssimo nível, se devendo muito ao pós segunda guerra mundial onde a corrida armamentista era imprescindível para a manutenção da dominação.

    Já a China é uma potência em desenvolvimento com um potencial de mercado e econômico sem igual, o mercado consumidor e a mão de obra barata faz com que ela seja o país com maior crescimento econômico dos últimos tempos, alcançando os EUA.

    A aproximação dos dois países é uma boa estratégia de desenvolvimento para ambos, visto que a mutua cooperação fará com que a tecnologia já dominada por um possa ser repassada ao outro, e as fontes energéticas, onde a Russia é uma potência devido a guerra fria, ajudará a China a se consolidar cada vez mais como hegemonia econômica mundial, e esse acordo não poderia chegar em hora melhor, visto que a Russia enfrenta um embargo econômico por parte do ocidente.

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  7. Mariana Gonçalves 02/12/2014 / 14:05

    O acordo energético entre Rússia e China possibilita o destaque dos dois nos BRIC´s, uma vez que, além de suas particularidades, a aliança entre as duas se mostra favorável a um crescimento para ambas. Rússia, que já tem como peculiaridade sua forte tradição militar, tem se desenvolvido economicamente de forma notória. A China, além de seu dinamismo de mercado, conta com um grande potencial energético e mineral.
    Os dois países, como duas potências emergentes que são, acentuam o contrapeso na balança mundial, o que pressiona grandes potências a se posicionar de forma mais clara e consciente no que diz respeito às suas responsabilidades com a nova configuração internacional. O acordo firmado entre China e Rússia representa o início de uma nova era de desenvolvimento econômico junto a um novo cenário global o qual tende a ser constituído de múltiplas grandes potências.

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